O professor Erik Amazonas, do Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Catarina, fez a colheita com estudantes do curso de medicina veterinária do campus de Curitibanos — cultivo possibilitará a extração de óleos para pesquisa sobre o uso da planta em animais não humanos
A permissão concedida pela Justiça Federal de Florianópolis, no final do ano passado, autoriza o professor Erik Amazonas a realizar o cultivo, preparo, produção, depósito, porte e prescrição de derivados da Cannabis sativa para uso veterinário.
O plantio foi iniciado há cinco meses no campus de Curitibanos da UFSC e, quando as plantas estiverem prontas, o Laboratório Multiusuário de Análise Instrumental (Lamai) irá realizar a extração dos óleos com diferentes concentrações de canabinoides para uso terapêutico, segundo informou a Agência de Comunicação da Universidade.
“Inicialmente iremos quantificar 14 canabinoides diferentes junto a um perfil de 20 terpenos, outra categoria de moléculas que todas as plantas produzem, responsáveis pelo cheiro. Os terpenos são a base terapêutica de todas as demais plantas que a gente chama de medicinais”, explica Erik, que é professor de imunologia e genética veterinária e coordena a linha de pesquisa “Endocanabinologia e Cannabis Medicinal”, do Grupo de Estudos em Produção Animal e Saúde.
Segundo a UFSC, uma primeira colheita foi realizada em aula prática por Erik com estudantes do curso de medicina veterinária do campus de Curitibanos na semana passada. O professor explicou o processo de colheita e pós-colheita e os estudantes puderam realizar o “trimming” (poda), que consiste na retirada das folhas de cannabis com nenhuma ou pouca quantidade de tricomas, deixando somente as flores.
folhas de cannabis com nenhuma ou pouca quantidade de tricomas, deixando somente as flores.
Professor Erik Amazonas segura uma cola (ramo) de maconha que acaba de cortar. Foto: Ana Krug / Gabriel Gomes Olivo / CCR/UFSC.
Erik esclarece que os estudos sobre o uso medicinal da cannabis pretendem revelar os mecanismos moleculares que levam às implicações clínicas observadas.
“Esse é o principal impacto que a gente precisa fazer enquanto pesquisa científica, trazer as evidências clínicas para as diversas condições e trazer os mecanismos de ação por trás dessa resolução clínica. Então, são duas coisas relacionadas ao lado veterinário: precisa ter o estudo no animal, o que faz o medicamento A, B ou C no organismo, e em paralelo estudos que consigam resolver um mecanismo molecular daquela mesma condição”, avalia o pesquisador.
Pesquisas clínicas de várias partes do país irão utilizar os extratos produzidos em Curitibanos. “Nós temos uma limitação em termos de localização para plantar, extrair, fazer depósito e o estoque aqui em Curitibanos. Mas o uso em pesquisas pode ser feito no Brasil todo, com parcerias com universidades que não podem cultivar, mas podem promover estudos em células e animais”, acrescenta o professor.
O setor de maconha medicinal depende de uma rede baseada em parcerias para seu desenvolvimento, uma vez que acesso às plantas é restrito. “Existe uma interdependência: as instituições de ensino precisam de acesso a quem tenha legalidade para o cultivo. A gente tinha feito pesquisas com extratos de associações de pacientes com estas autorizações, que têm o direito legal de destinar seus extratos para pesquisa”, ressalta Erik.
Com o habeas corpus obtido pela UFSC, o uso terapêutico veterinário ganhou projeção. “Pretendemos estimular novos grupos de pesquisas em novas áreas. Por que até então, no Brasil, só se falava de cannabis medicinal para uso humano, passamos a discutir também o uso veterinário. É importante ressaltar que nossa autorização não se limita ao uso terapêutico veterinário, vale para toda aplicação veterinária”, destaca Erik, lembrando que alimentação animal será outra linha de pesquisa.
Somente na UFSC são 46 pesquisadores interessados em produzir ciência baseados nos extratos produzidos em Curitibanos. As universidades federais de Santa Maria (UFSM) e Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), além da Universidade Estadual Paulista (Unesp), estão entre as instituições que mantêm contato com o Centro de Ciências Rurais da UFSC para o estabelecimento de parcerias.
Aula prática explicou o processo “trimming” (poda). Imagem: Ana Krug / Gabriel Gomes Olivo / CCR/UFSC.
“Queremos fomentar nossos programas de Pós em Veterinária (PPGMVCI) e Agronomia (PPGEAN), montar uma rede forte na UFSC para consolidar o nosso grupo interno e, ao mesmo tempo, juntar uma equipe imensa de pesquisadores brasileiros, referências nas suas áreas. É possível, e necessário, introduzir a cannabis a outros especialistas para a gente fazer ciência brasileira, nacional. A importação não pode ser a única fonte de cannabis no Brasil. Não podemos pegar só o que vem de fora: tem que ter pesquisa nacional, tecnologia nacional, ou vamos ficar o tempo inteiro falando de soberania e não fazendo nada para conquistar ela”, afirma o pesquisador.
Com produção nacional, empregos seriam gerados em solo nacional. “É dinheiro, é emprego e renda para os cidadãos brasileiros. Os derivados de cânhamo já podem servir como base para 25 mil produtos diferentes em 19 indústrias. Desde roupa, papel até combustíveis e semicondutores. O cânhamo foi totalmente soterrado para dar espaço para nylon, poliéster, petróleo e outras coisas sintéticas”, continua.
O Polo de Desenvolvimento e Inovação em Cannabis (Podican) idealizado pelo professor Erik Amazonas é uma experiência para servir de catalisador de um ecossistema econômico-social-produtivo da cannabis. Como o campus de Curitibanos é referência em medicina veterinária canabinoide, a intenção é “garantir matéria-prima e recursos tecnológicos para pesquisa e desenvolvimento de produtos de interesse com e para as indústrias parceiras, atrair e fomentar a criação de empresas e startups na área, e formar um socioecossistema canábico sustentável”.
O pesquisador aspira que os trabalhos da UFSC, somados aos de outras universidades e associações de pacientes, possam ajudar na legalidade plena da cannabis medicinal, “para todo o país sair dessa situação, e o Brasil deixar de ser a rabeira do mundo. Outros países comercializam, alavancam o PIB, gerando empregos, e o Brasil só gerando tragédia e morte, seja ela pela força policial na favela, seja pela falta do medicamento para o paciente”, pontua Erik.
As flores de cannabis, de onde são extraídos os óleos para os produtos e onde estão as maiores quantidades de princípios ativos, são demonizadas como “supermaconha”, conta Erik, apontando um vaso da planta. “Isso aqui é o que chamam de supermaconha. É impossível apreender alguma coisa, de qualquer cultivador, que não seja supermaconha porque toda cannabis cresce assim. O que normalmente é vendido pelo tráfico é um prensado com todas as partes da planta, e chega degradado e com fungos ao usuário”, explanou o professor à Agecom.
Alunas trimam um ramo florido de cannabis. Crédito: Ana Krug / Gabriel Gomes Olivo / CCR/UFSC.
A germinação do primeiro cultivo de cannabis da UFSC foi baixa, cerca de 30% de rendimento, por conta das sementes utilizadas já estarem velhas, o que não deve se repetir nas próximas safras. É o que garante o engenheiro agrônomo e chefe da Divisão das Atividades Agropecuárias do Centro de Ciências Rurais do Campus de Curitibanos da UFSC, Gustavo Rufatto Comin.
Além dos estudos feitos a partir do óleo, o cultivo de maconha dentro da UFSC é uma pesquisa à parte, que começou com a seleção das plantas mais vigorosas para serem escolhidas como madres e terem sua genética propagada. Delas, foram retiradas estacas clonais, de onde poderão vir as próximas gerações de plantas. Na equação para seleção e manutenção de madres entram a concentração de canabinoides na resina, a quantidade de óleo produzido, a resistência a pragas e doenças e a capacidade de sobressair a estresses ambientais.
“Para selecionar uma madre é preciso conhecer realmente a capacidade de vigor e resposta dela, e acima disso a qualidade da extração. Se tiver uma qualidade legal, a gente já sabe que ela já tem um vigor ótimo, elas vão continuar sendo madres. Se não mostrarem uma boa qualidade de óleo, não forem interessantes, ainda existem outras que nós estamos avaliando. Então é possível realmente trocar essas madres, vai depender de como vai ser a qualidade do produto lá na frente”, observa Gustavo
À medida que o projeto de pesquisa avança, as propriedades das plantas servirão para fundamentar o melhoramento genético do cultivo. “É possível ficar cruzando uma planta com outras que possuem características de interesse”, diz Gustavo, que exemplifica: “Uma planta muito vigorosa, que produz muito, mas não tem grande concentração do canabinoide específico, você pode cruzar com outra que não é tão vigorosa, mas acaba trazendo uma qualidade maior às flores. Você consegue produzir um híbrido para unir essas duas qualidades, quando ela isolada, só com essa característica, talvez não seja tão interessante de ser perpetuada”.
Na estufa da UFSC, fatores de desenvolvimento da planta como temperatura e luminosidade são controlados, o que possibilitaria, em caso de mais espaço, um processo constante de colheita, independente de sementes compradas. “Se você escalonar a retirada de clones, organizando a semeadura, as plantas em florescimento e em estado vegetativo, pode haver colheitas até mensais ou com períodos menores, desde que você tenha a estrutura necessária para ter um número X de plantas em floração e o número Y de plantas em vegetação, como duas casas de vegetação, uma para cada fase”, aponta o pesquisador.
A pesquisa com a cannabis na UFSC tem em seu escopo avaliar o uso de medicação à base de terpenofenóis em animais não humanos. Formulações de uso tópico contendo maconha serão analisadas quanto ao seu potencial cicatrizante e anti-inflamatório, efeito inseticida, repelente, mosquicida e anti-helmíntico e efeito desinfetante. E até mesmo o uso alimentar em animais será pesquisado.
No início de 2021 foi apresentado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa regulamentar o uso veterinário da cannabis e permitir que proprietários ou tutores de animais apliquem produtos derivados da planta prescritos por profissionais da medicina veterinária.
A proposta, no entanto, está com a tramitação parada no Congresso desde maio de 2021, quando seu texto foi apensado ao PL 399/2015, que regulamenta o plantio de cannabis para fins médicos, veterinários e industriais.
Fonte: Smoke Buddies
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